Mas o humor era outro, tinha outras influências (ora de Mort Walker, em “Recruta Zero”, ora de Dik Browne, de “Hägar – O Horrível”). Alguns poderiam dizer que há claras alusões a Garfield ou ao Snoopy, em “Jarbas”, o que seria natural, em se tratando de uma “animal strip”. A verdade é que quando Jarbas e sua turma surgiram, as tiras estavam no auge. Autores brasileiros se consagravam em páginas de jornal (leia-se: Laerte, Angeli, Fernando Gonzales, Glauco), em plena década de 80. O Curso de Cinema na USP estava terminando e a biblioteca da ECA (Escola de Comunicações e Artes) assinava coleção do jornal “The Washington Post”. Havia leitura de quadrinhos, o vídeo ainda não tinha dominado totalmente, a “Chiclete com Banana” havia sido um sucesso imbatível no biênio 1984-1985. E não havia a internet. Havia respiro. E leitores possíveis.
um dos exemplares de "Brincadeiras do Jarbas" (em 2001)
De Mort Walker e seus soldados do Quartel Swampy, “Jarbas” herdou o humor seco, em que era realmente preciso ler os balões para complementar a comédia. O mesmo acontecia com Dik Browne e sua família viking, de uma Idade Média tão presente em todos nós. A idéia era que “Jarbas” tivesse um representante de cada animal doméstico (cão, gato e passarinho) e que os humanos tivessem todas as faixas etárias (o casal, a garota adolescente e o menino, seu irmãozinho), e que seguindo as idéias do revolucionário “Para Ler o Pato Donald” (de Ariel Dorfmann e Armand Mattelart), houvesse realmente sexo envolvendo as procriações de personagens. Pais produziram filhos, o contrário do que acontecia com a família de patos de Disney. Jarbas tinha sido pensado para o licensing (o licenciamento de marcas) desde o ovo.
"Jarbas Baby": um projeto a cumprir
Naquela época, os syndicates precisavam distinguir o formato, se havia cor, qual era a periodicidade, o título, o autor, enfim, toda uma jogada de marketing que envolvia milhões de dólares todos os anos. Esses syndicates são grandes escritórios que revendem tiras cômicas, colunas semanais sobre os mais diversos temas, horóscopos, palavras cruzadas, jogos de bridge e sudoku para jornais no mundo todo. O primeiro e maior deles, de 1912, é a King Features Syndicate (não por acaso, a mesma que distribui “Recruta Zero”, “Hägar” e tantas outras tiras famosas), que foi fundado pelo magnata William Randolph Hearst. Não deixam de ser agências noticiosas, como a United Press International (UPI), France Presse ou a Reuters, só que especializadas em outro tipo de material (os chamados "features"), que não a notícia simples e pura. Aqui no Brasil tínhamos, naquela época, a agência Pacatatu (de Rick Goodwin) e a Agência Funarte (que não durou muito).
a versão 3D de Jarbas, por Ricardo Meneghello Guedes
Eram mais de 90 tiras diárias (sem repetir um título sequer), de segunda a sábado. O jornal americano “The Washington Post”, suas edições diárias e principalmente seus dois cadernos standards dominicais foram peças-chave na criação de “Jarbas” e sua turma. Da mesma forma como eram lidos os suplementos “Folhinha de S. Paulo”, “Globinho Supercolorido” e o de quadrinhos do Jornal do Brasil toda semana, em finais da década de 1970, havia um sonho premente de fazer exatamente aquilo, rigorosamente aquilo: tiras para jornal. Jarbas nasceu nos corredores e nas caminhadas entre as prateleiras da Biblioteca da ECA-USP, ganhando vida durante as aulas noturnas do Dorinho, enquanto os alunos dele assistiam à aula no CRP (Depto. de Propaganda e Relações Públicas da ECA), a mesa de luz era utilizada para a execução daquelas tiras, em 1989. Com as retículas inglesas da Pantone, e muito dedo cortado com estilete.
"Na Tigela com Jarbas", de 2002: oito meses de execução
Afinal, em abril de 1993, as tiras de Jarbas são publicadas pela primeira vez em pequenos jornais do Litoral de São Paulo (“Primeira Cidade”, “Jornal de Bertioga”, “Gazeta de Praia Grande”), mas nunca alcançou as páginas dos grandes jornais. Era novembro de 1996, quando saíram os primeiros exemplares da revista “Brincadeiras do Jarbas”, com passatempos do personagem e as tiras cômicas que foram coletadas depois no volume “Na Tigela com Jarbas”, livro lançado em 2002. As revistinhas chegaram a todos os pontos do território nacional via distribuição da DINAP, e quem primeiro confiou nelas foram os editores Fábio e João Carlos Bentivegna.
Jarbas: vendo o mundo sob as mesas e cadeiras
Desta forma, Jarbas chega a outras áreas, como a educacional, primordialmente. Ao ser escalado para ilustrar livros didáticos dos professores brasileiros da CAPES no Timor-Leste, o personagem acaba servindo para um encontro de países lusófonos via os quadrinhos. Depois foi a página do “Jornal da Tarde”, em 2006, quando o vôo do 14-Bis, de Santos-Dumont, completava 100 anos. Esta página era um acordo entre o periódico paulistano e o NCE (Núcleo de Comunicação e Expressão) da USP, coordenado pelo Prof. Ismar de Oliveira Soares. Os contatos eram, na realidade, a professora Carmen Gattás e a jornalista Maria Rehder (do JT). Em seguida, tiras especiais do personagem foram desenhadas para o tablóide colorido da ONG Reciclázaro, para repensar o meio ambiente. Jarbas ajudava outros amiguinhos cães a cuidarem da cidade e de seu quintal.
Jarbasfest: o vídeo, com narração de Débora Aoni
material publicado em suplemento especial do JT, em 2007: a favor da leitura
Afinal, Jarbas chega aos 20 anos de idade, tendo dado a volta ao mundo, sendo publicado durante 12 anos em edições distribuídas nacionalmente em bancas de revista, algumas pessoas aqui ou ali, muito pontuais, lembrando dele, como um cão com uma idéia na cabeça sobre o mundo dos humanos... E, claro, um osso na tigela. Como manda o figurino. Como diz o cartunista e dono da Livraria HQ Mix, Gualberto Costa, "longa vida ao Jarbas". Que assim seja.
2 comentários:
Hey, Ruy, parabéns ao Jarbas! Não é todo dia que um cão faz 20 anos e ainda na ativa! Vai ter festa com a presença do próprio?
jótabê, fizemos uma festa com a presença do próprio há dois anos atrás, na Pizzaria Prestíssimo. O vídeo que tá postado foi inclusive exibido em telão, em DVD. A festa se chamava "Jarbasfest".
Obrigado!
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